Esse Blog não é sobre resenha de discos. No entanto usa a música como fundo de contos e "causos". Como se fosse uma trilha sonora das narrativas. Enfim...
(Para o Blog Relato Estrépito continuar em 2017 terei que agregar minha outra paixão além da música, a fotografia... Relatos como este será cada vez mais constante... Abraços).
Alguém veio me visitar e deixou este álbum aqui, não sei quem? Porém, essas musicas me acompanham o dia inteiro. Entre o Relato deixarei algumas músicas que, certamente já faz parte do meu dia a dia.
Quando tento dormir sou impedido por imagens que vem a minha
cabeça, imagens oriundas não sei de onde, de lugares que desconheço. Há uma
garça branca no meio de um lago cheio de peixes e rodeada da solidão. Existe um
biblioteca por perto mas, os garotos e as garotas nem percebem extasiados pelo
efeito da fumaça que inalam: sorrisos fáceis, alegrias falsas de uma vida
superficial.
Levanto e caminho pelo quarto, outros imagens deste mundo
surreal vem à tona, alguns passos, me deparo com outro lago onde
martim-pescadores sobrevoam, crianças atiram pipocas para os peixes coloridos. Aproximo do lago e perto da imagem de São Francisco um casal de
viuvinhas preparam seu ninho numa arbusto todo florido. Não tenho certeza mas,
algo me diz que eu já estive aqui antes.
Ouço um barulho no alto da palmeira, um gamba descontraído
alimentando-se do fruto amarelado, fico ali observando todos os seus movimentos
até surgirem as fanfarronas das maritacas. Mais alguns passos me deparo com um
Rio de águas amareladas. Um arrepio percorre lentamente o meu corpo inteiro,
adiante um lindo pôr do sol e ao meu redor um Rio que pede socorro.
Ouço alguém batendo na porta do quarto, é médico e suas
visitas quase que diárias desde que sofri um acidente e minha memória se apagou.
Pergunta como estou, e ,respondo que mais imagens deste Bosque Surreal continua
aparecendo. Então pela primeira vez o médico me disse:
_Roberval este Bosque, ele existe e se chama Bosque da
Princesa e, todas essas imagens que você me descreve também são suas
fotografias. Você fotografou todas essas imagens que te perseguem
O médico abriu uma pasta, enfim deparei com centenas de
fotos com minha assinatura, fotos que mesmo debilitado me perseguem.
E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas
Coisas belas ditas pelo velho pároco, ao seu lado um jovem
aspirante a padre dotado de um olhar misterioso, coisas da missa matutina do
domingo na igreja que ficava no final das vielas, contrastava com os pecados
diários que eu cometia, nem a benção do padre ou Pai Nosso valia o meu dia, nem
mesmo o sol incrivelmente posicionado no meio do céu me tirava do meu esconderijo
do meio do matagal. Debaixo das arvores que possuíam espinhos pontiagudos, eu e
meu amigo Linari criavam ali personagens fortes e maldosos, verdadeiros super-heróis
que não sentiam amor e nem piedade. Somente quando eu ouvia os gritos de mamãe me
chamando o medo desvestia-me do torpor, voltar para casa e encontrar papai
bêbado resmungando palavras de ordem e palavrão era um grande saco. Papai não
sentia amor... Eu não sentia amor.
No começo de uma
noite fria e tenebrosa infestadas de rajadas de vento, debaixo da arvore de
espinhos pontiagudos, rodeados por dezenas de vaga-lumes, no céu de algumas
estrelas reluzentes que, apareciam e desapareciam entre as nuvens escuras de
uma tempestade anunciada. Lembro-me do grito de mamãe diferente como se fosse
trovão rasgando aquele começo de noite, não era palavras, era uivo de dor feito
um animal que sente frio e fome. Nem me despedi de Linari, senti aquele grito
penetrando meus ouvidos como se fosse um inseto mastigando vorazmente meus
tímpanos, corri desgraçadamente derrubando todo o matagal no peito e, ao
aproximar da velha casa sem reboco, eu vejo minha mãe sentada no chão, com as
mãos colada no rosto chorando compulsivamente, meu pai que não sentia amor
estava estirado no chão sem vida.
Foi quando um estranho que saiu não sei de onde, encostou
uma arma pro meu crânio e eu, nada pude fazer a não ser me ver balbuciando
febrilmente, implorando:
"Eu não estou pronto pra morrer"
Ainda persiste uma dúvida que talvez nunca vá esclarecer.
Ainda persiste uma dúvida que eu não me canso de remoer, os dias subsequentes
foram os mais cruéis de minha vida, a lamuria tem cor cinza e os dias impares
são os piores. A cerca de arame farpado
e a falsa liberdade diante dos meus olhos murchos pela oprimida vergonha da
veste e da fome.
No fim da ladeira, entre vielas tortuosas, há uma vila de
casinhas silenciosas. Numa manhã fria, eu saí de uma delas passos lentos e silenciosos,
sem dizer adeus e nem olhar para trás. Porém, nenhum dia se quer a vila saiu
dos meus pensamentos... Em meus sonhos eu caminho por todas as vielas, conheço
todos os cachorros que perambulam pelas as ruas, conheço todas as casas no
entanto, nos meus sonhos eu sou um desconhecido, os cachorros avançam na minha
direção e a minha mãe não me reconhece, sempre na janela com olhar triste e ao
mesmo tempo vago. Sempre acordo assustados todas as vezes e, imagino aquelas
vielas tortuosas como se eu nunca tivesse me ausentado dali.
Eu desconheço exemplo mais eficaz do que uma criação
inadequada é capaz e, os dias cinzas e chuvosos sempre me entristece bem mais
que deveria, fugas de lagrimas e a incontrolável tremedeira que nenhum agasalho
consegue me aquecer. Na rua as pessoas vem e vão, hoje eu tenho essa convicção,
eu poderia voltar agora mesmo no meio dessa chuva, no meio da noite entre os
relâmpagos e o barulho do trovão mas, a coragem que eu tive para partir eu não
tenho para voltar, mesmo que isso cause ulceras gigantes, angustias e tonturas,
insisto em ficar aqui. Meu orgulho está me matando... E você se sente numa cela
escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com suas próprias unhas.
Mas, como dar amor se nunca recebeu, balbuciar palavras dóceis
com os lábios ressecados e lembrar do amor escondido num lugar onde ruído se
abafe... Eu não estou pronto para morrer.
Ela não virá, ele pressente, mas ainda espera. Ele
olha repetidas vezes para o relógio, não consegue disfarçar a ansiedade e o
desconforto. O celular nunca toca nessas horas, é visível sua tristeza,
no entanto, ele tenta disfarçar falando mais do que habitual, rindo mais do que
deveria e bebendo apressadamente.
Ela não virá agora é uma certeza para todos, porém
ele ainda insiste em olhar pra mesma direção, verificar o relógio. Ele parece
não acreditar, pensa em ligar pra ela, não completa a ligação pela quinta vez.
Já não ri mais como meia hora atrás, retraído quase que não fala, e pela
segunda vez derrubou a bebida na mesa.
Ela não virá passa a ser uma certeza pra ele também
que, quase cai ao levantar-se da cadeira, sente-se inseguro em caminhar,
enxerga duas luas apoiado no tronco de uma jabuticabeira.
Diz estar bem pra todos que se aproxima, diz estar
bem também quando não tem ninguém ao seu redor. Abraça forte a jabuticabeira e
começa a questionar:
Por que ela não veio?
Por que?
Chora um choro sem lagrimas ainda assim um choro
verdadeiro. Tira o celular do seu bolso, nenhuma ligação. Joga o celular para
bem longe. Ri ainda abraçado na jabuticabeira, um riso sem graça e sem motivo.
Recupera-se. Ainda há duas luas no céu e um imenso caminho até chegar ao
banheiro.
Ele já está lá não e sabe como, o lavatório verde
não combina com vaso branco, porém a vontade de urinar é tanta que o jato
rápido e incerto molha as paredes e o chão. A descarga de cordinha é um
descanso para o seu braço. Cem litros de água para 400 ml de urina. Ele não
lava as mãos, o sapo não lava o pé.
Fim de festas, mesas vazias, ela não veio, e isto,
foi um tiro em seu coração.
Duas luas, uma lua meia, uma lua. Isto agora não
importa. Ele chutou as cadeiras e jogou a mesa para bem longe. “Foda-se todos”
ele gritou.
Voltou para casa, ligou seu aparelho de som. Um
micro system que ganhou daquela vadia que não compareceu na festa. Apertou o
play.
Second song passou despercebida... Keep your heart
acompanhou seus movimentos até geladeira, uma geladeira que mais parecia um
deposito de cerveja... You... Yyooouuu, assim foi feita a escolha.
Vadia, vadia, vadia... Repetiu exaustivamente essa
palavra que só “Will Do” trouxe de volta a realidade. Abriu a janela apenas uma
lua, tudo começou a fazer sentido novamente.
Forgotten... Outro jato de urina agora certeiro no
vaso branco que combina com lavatório. Decidiu tomar um café para curar da
ressaca que começava a incomodar... Apertou o display também para certificar o
que estava ouvindo... TV on the radio – Nine types of light.
O céu escureceu mais cedo hoje e já faz tempo que Deus não vem me visitar nem em forma de passarinho, nem em forma de flor e nem forma nenhuma. Acordei no sofá com uma ressaca gigante, tomei dois comprimidos com café frio mesmo pra ver se a dor de cabeça vai embora.
A casa está vazia, sem o barulho do Bruninho o silencio dessa casa é deprimente. Minha esposa saiu e levou com ela os nossos filhos e, cada dia que passa dá impressão que eles são mais dela do que meus. Eu não tenho nada desde do dia que eu perdi a ambição, não tenho nenhuma planilha e nem livros de auto-ajudas. Eu não leio bíblia, pois acho muito complicado parece bula de remédio. Na verdade eu odeio domingo, feriado, carnaval, Natal... Eu odeio datas comemorativas enfim, eu me odeio.
Onde estive ontem à noite... Putz, eu não sei... Eu estava com os caras da fábrica num barzinho... Depois acordei nesse sofá... Lembro-me vagamente de coroas gordas, peitudas e risadas, mas eu não sei o que é real e o que é sonho. Não sei como cheguei aqui...
Nenhum e-mail, nenhuma mensagem no Facebook, nenhuma ligação no celular. Já são 18h00min e eu, já to chapado novamente. Acho que teve jogo do Corinthians na Rede Globo, porém eu dei prioridade pro novo cd do Radiohead que eu baixei na semana passada. Bom. O cd é bom, no entanto eu prefiro ainda Kid A e o clássico deles: Ok Computer.
Tô com saudades dos moleques. Onde minha esposa levou-os? Às vezes penso que minha esposa usa meus filhos pra me ferir, mas sei lá, vai que ela quer apenas preservar os moleques da vergonha que eu me tornei.
Coroas gordas e peitudas novamente invadem meus pensamentos. Onde estive? O que fiz?
Eu poderia ficar mais tempo no barzinho com os caras da fábrica que certamente alguém me levaria embora, mas estava tão chato, tão chato...
Tenho mais três latinhas na geladeira e uma indisposição enorme pra sair de frente do computador, qualquer dia desse eu coloco esse computador dentro da geladeira apenas pra facilitar essas tarefas difíceis.
Sexta-feira eu joguei bola com o Bruninho até as 23h00min, já tinha tomado todas no Bar do Jaime, porém o Bruninho ainda não percebe isto, e, todas as vezes que passava a bola por mim e batia na parede ele gritava gol:
_Goooool do Corinthians papai:_Na verdade ele não fala Corinthians certinho, mas vou deixar assim mesmo.
Vou ter que me levantar, pois já sinto falta de outra cerveja.
Tenho a impressão que quando minha esposa voltar vai me encontrar outra vez dormindo no sofá e, certamente dirá:
_ Não acredito que essa mala ta deitado até agora.
O novo cd do Radiohead “The King of limbs” têm apenas oito musicas, as quatros primeiras em meu conceito são descartáveis “Lótus flower” a quinta musica é aonde o cd começa engrenar “Codex” é tensa e triste “Give up the Ghost” parece que vai ser chata mas, quando Thom Yorke começa a cantar a chatice vai embora rapidinho e, finalmente pra encerrar “Separator” apesar de não ser o melhor cd do Radiohead Thom Yorke ta cantando como nunca.
Acho que vou fritar uma lingüiça e colocar no meio de pão. To com uma fome do cão. Já foi o tempo que o meu domingo rimava com Coca-Cola e macarrão. Agora rima com ressaca e solidão... HAHAHAHA...
Entre razão e o sonho Rafaela levantou-se
do sofá e, diante do espelho refez a maquiagem, adorou a cor do seu cabelo, fez
uma careta e disse baixinho “tenho que viver”. Ligou para sua amiga.
_Estou pronta.
Na delonga caminhou pela sala quebrou
todos os cds e dvds do Red Hot Chili Peppers, alegando fazerem parte do seu
passado que tanto almejava esquecer. De hoje em diante a minha trilha sonora
será feita pela razão pensou alto. Ligou o aparelho de som, e, no último volume
começou a requebrar feito uma doida em cima do sofá, só parou quando ouviu a
buzina do carro da amiga.
Pegou sua blusa preta, reforçou o batom vermelho e
com sua bota cortuno de salto pisoteou o que sobrou dos CDS e DVDS no chão, antes
girar chave para sair ainda apontou com o dedo do meio em direção aos cacos.
Sua amiga que também era linda, não
vivia a razão e nem sonho, apenas vivia. Não tinha ideia nenhuma de
Californicacion ou Blood Sugar Magik. Apelidara Antony Kiedis de Tonhão sempre que
ouvia algum comentário sobre ele.
_Esqueça esse tal de Tonhão, lindo
mesmo é o Mc Biel e, tem outra coisa, Rock é coisa do Diabo. Meu pai mesmo
ficava bêbado e possuído quando ouvia um tal de Raul Seixas, quebrava tudo em
casa até a coitada da minha mãe.
Já dentro do carro a amiga ligou o som
no último volume, era funk ostentação e outra vez o sonho foi deixado de lado,
toda empolgada Rafaela deixou-se levar pela batida, pôs a cabeça para fora do veículo
em movimento e começou cantarolar acompanhando a música:
Estacionaram em frente à casa de show com a
promessa da amiga:
Hoje você vai divertir à beça.
Nem bem entrou na casa de show se encantou com
um rapaz que usava boné chamativo da cor verde, cheios de acessórios:
correntes, anéis e alargadores. Dez minutos depois estavam de bate papos,
tomando cerveja num canto da casa noturna. Ele perguntou se ela curtia funk
a muito tempo. Para não passar vergonha ela disse sim e começou a rebolar sem parar,
o cara achou estranho mas, dali pro motel mais próximo às coisas evoluíram
rapidamente.
No carro de volta com amiga Rafaela estava em total silencio: _E ai, me conta como foi? Pegou o cara mais
popular... Esse cara vai ficar famoso MC Coppola, gravou um demo e já tem músicas
tocando nas rádios...
Pouco importou-se com o comentário da amiga, Rafaela preferiu ficar em silencio até chegar em sua casa. Desceu do carro e vomitou ininterrompidamente antes mesmo de adentrar, pensou que ia morrer ali
mesmo, quando finalmente terminou, sua amiga já havia sumido pela avenida. Vale
lembrar que o sol já se fazia presente. Com o sinal wifi domiciliar restabelecido
ela leu suas suas mensagens, uma particularmente chamou sua atenção.
"Esse é o link do novo álbum do Red Hot Chili
Peppers - The Getaway."
Ligou o computador e baixou o álbum já com o
arrependimento de ter quebrado toda a discografia da banda. Pela segunda vez
vomitou, agora no tapete da sala. Decidiu tomar um banho e aumentou o som para
conferir o album The Getaway.
Enquanto despia-se a primeira surpresa veio
juntamente com o primeiro acorde de The Getaway, marcas avermelhadas no
pescoço, teve náuseas enquanto a água fria do chuveiro escorria pelo seu corpo:
That’s right, you’re right
We will do our thing tonight, alright
Take me through the future
It’s time, you’re fine
Just another color coded crime
Incision and a suture
Saiu do banheiro no ritmo da funkeada We Turn
Red, balançando os cabelos ainda molhados, numa tentativa frustrada de uma dança
descompassada e melancólica. Aproximou-se do espelho e continuou balançando os
cabelos com mão esquerda colada no rosto, uma lágrima gélida e solitária
escapou-se dos seus olhos castanhos findando no piso de tacos.
Mas, foi durante Sick Love que ela começou
vestir-se, uma calcinha preta de algodão e calça de jeans, camisa preta do Chili
Peppers, batom vermelho, algum pó misterioso para esconder as marcas no
pescoço, nos pés tênis All Star.
Em This Ticonderoga Rafaela já sentia -se recuperada
procurando cerveja na geladeira, a dança ainda era descompassada porém com os
braços estendidos e as mãos abertas tateando o invisível.
Tentou em vão juntar o quebra-cabeças dos cacos
da coleção do Red Hot Chili Peppers que ela mesmo havia destruído, chegou à
conclusão que era irrecuperável. Levantou-se rumo a geladeira em busca de mais
cerveja.
Dançou num ritmo mais lento na música The
Hunter com a lata de cerveja nas mãos, olhou para o teto, o lustre e uma pequena
aranha procurando por abrigo porém, uma lagartixa ligeira e faminta fez da
aranha um banquete. Ouviu o celular tocar era sua amiga:
-Oi Rafaela melhorou? Cê tava mal hein?
E antes que ela pudesse responder...
-Tenho boas notícias o MC Coppola. Ele ligou
perguntando de você.
Silencio.
-MC Coppola ligou perguntando de você e, você não
vai dizer nada Rafaela? Ele disse me que adorou a noite... Alô? Alô?
-Foda-se Mc Coppola – Respondeu Rafaela e desligou o
telefone,aumentou o volume do aparelho de som “Dreams Of A Samurai” era
música da vez.
Fantasiando
do mesmo jeito que te encontrei, do último cigarro, da lua cheia, do mendigo da
esquina com seu cachorro magricelo, da pressa e dos discos voadores. O último
trago e a fumaça passando, o cachorro latindo, a lua atrás das nuvens, o
mendigo levantando. Sentávamos no meio do nada e riamos de tudo e, assim seria
e seriamos, criaríamos o nosso filho na lua, no meio da fumaça da promessa do último
cigarro, viveríamos como mendigos sem religião ou devoção por Maria. Poderia
faltar leite mas, jamais faltaria alegria.
Andaríamos
na contramão com nossas mentiras que, acreditamos piamente que fossem verdades.
Do avesso acordaríamos com o sol do meio dia, barbas e pêlos misturados com a
fumaça oriundo da promessa do último cigarro. O riso viria fácil com o primeiro
acorde de um violão com uma corda arrebentada, teríamos a nossa política de não
ter política e você seria sempre minha, fantasticamente minha....
Então,
você partiu e partiu meu coração, deixou minha vida sem graça. Continuo na
contramão sem amor nenhum, sem esperança e com dor no estomago. Levo sempre comigo
o violão faltando uma corda, os discos voadores estão me seguindo juntamente
com risos e palavras ofensivas dos transeuntes. As vezes eles me atiram pedras,
cospem em minha direção, me agridem com socos e ponta pés e, me ameaçam com
gasolina.
Durmo
durante o dia e vago durante a noite, o silencio da noite me faz bem. Cada
noite uma cidade diferente, com iluminações diferentes, com praças diferentes,
monumentos diferentes, com tudo diferente, só eu que não mudo, um amontoado de
feridas expostas, barbas e pêlos. A necessidade de falar, de gritar, de rir e
receber o eco como respostas. Mas já tive dias melhores e, os melhores dias da
minha vida era quando você estava aqui, no inverno a gente se abraçava na
calçada enrolados em jornais ou cobertores doados por alguma ONG, ficávamos ali
noite inteira ouvindo a respiração do outro e observando as estrelas até
sumirem com a claridão.
Semana
passada eu fui abduzido por um disco voador, você não vai acreditar, já era
madrugada de uma densa neblina, foi quando uma luz começou aproximar, achei que
fosse a lua ou até mesmo o sol e continuei com a promessa do meu último
cigarro, quando me dei conta eu senti meu corpo em pleno ar, comecei a gritar e
ninguém me ouvia, alguma força não sei de onde me puxava para cima em direção a
luz cada vez forte e até eu me apagar por completo.
Acordei
numa sala branca com latidos de cachorro, aquele mesmo cachorro magricelo que pertencia
ao mendigo da esquina. O que estava fazendo ali? Eu não sei, porém, estava bem
cuidado e bem alimentado. Permaneci horas ali eu e cachorro, acho que estávamos
sendo observado, eu pressentia isso.
Havia
músicas oriundas de pequenos alto falantes que existiam nos quatro cantos
daquela sala, músicas tristes e sempre com uns barulhinhos estranhos. De
repente uma das paredes tornou-se um grande telão e, para minha surpresa eu vi você
caminhando lentamente por ruas que desconheço, parecia estar feliz, os cabelos tão
curtos, do seu lado caminhava uma bela menininha talvez, seja sua filha, o cachorro
ao meu lado começou latir em direção do telão, acho que ele te reconheceu.
De
repente tudo ficou tudo escuro como se alguém apagasse as luzes e a música
tornou-se mais rápida ainda que melancólica e, somente quando as luzes voltaram
que eu percebi que tinha cinco elementos ao meu redor, todos olhavam fixamente
em minha direção, procurei pelo cachorro no entanto, ele já não estava mais ali,
senti um arrepio, queria acordar no entanto eu não estava dormindo. Então, um
dos elementos aproximou-se com os cabelos desgrenhados e com um olhar estranho
fico me encarando por alguns segundos, sem sorrir me entregou um pequeno
embrulho... Adormeci.
...
Quando acordei o sol já era do meio do dia, os transeuntes me olhavam com seus
olhares de compaixão ou ódio, em minhas mãos o embrulho. Calmamente abri, era
um CD com um encarte intrigante intitulado Radiohead A Moon Shaped Pool, me
lembrei do disco voador, levantei-me e comecei andar sem rumo certo, do meu
lado o cachorro.
Descobri
recentemente que as músicas que ouvi naquela sala estão todas no CD que recebi
aquele dia e que os músicos são os cinco que me encararam no disco voador...
Aqui a noite é mais fria e solitária, o sono é raro e a falta de
apetite não me faz mover da cama. Visitas noturnas com suas vestes brancas,
fantasmas que não atravessam portas, que não voam e que não assustam. No
entanto, te ferem com o lindo sorriso nos lábios, fantasmas que conversam com o
seu delírio, ri, preocupam, desabavam, silenciam e vão embora sem atravessarem
a porta.
Aqui pessoas morrem de verdade, do nada, de dor cabeça, de um
resfriado, de uma tontura, morrem assim sem se despedir de ninguém. Eu fecho
meus olhos, então, eu me vejo com asas de volta as ruas da cidade, vejo pessoas
caminhando, ouço músicas do último álbum do Suede – Night Thoughts, vejo
estrelas brilhando no céu, sinto respingos d’água do chafariz da praça, vejo meus
amigos mas, eles não conseguem me ver. Eu voo lentamente sem pressa nenhuma, no
entanto, eu sinto uma dor aguda em minha asa esquerda, carros, ônibus, motos,
bicicletas e transeuntes faz a cidade movimentar. Luzes dos apartamentos, luzes
dos postes, das estrelas, da lua, eu vejo luzes em todos lugares. Novamente a
dor aguda me incomoda, bares, botecos, lanchonetes e pizzarias. Procuro por
você em todos os lugares possíveis, brigo, discuto, xingo, enfezo com minhas
incertezas. Mas, a dor aguda em minha asa esquerda faz tudo isso desaparecer, e
um fantasma que não voa diz:
_ Tivemos que trocar o acesso do soro para seu braço esquerdo.
Injeção para febre, para estomago, para dor, para o fígado... Aqui a
noite é mais fria e solitária.
Não sei bem o motivo mais me lembrei de toda discografia do Suede, e vi
o próprio Brett Anderson dançando no corredor do hospital, médicos,
enfermeiras, faxineiras, pacientes acompanhavam naquela dança frenética. Tentei
me levantar da cama empolgado com tudo aquilo acontecendo, comecei a cantar em
pleno pulmões até ouvir uma voz:
_ Ele está com febre alta outra vez.
Injeção para febre, para estomago, para dor, para o fígado...
A cama do meu lado amanheceu vazia, ele tinha apenas uma dor cabeça e
faleceu. Tenho febre, dores, calafrios, diarreia, indisposição, urina escura...
_Acho que vou morrer - Digo para
enfermeira, ela ri e responde:
_Você pensa que morrer é fácil?
Então eu penso “Ele só tinha dor
de cabeça”.
Durante o dia com a janela aberta vejo pombos no telhado, nuvens
brancas no céu, um avião distante e silencioso. Ouço barulho de carros, de
pardais e a cama vazia do meu lado, ele tinha apenas dor cabeça.
_ Oi.
Era médica que acabara de chegar, sempre com o aquele sorriso que não
significava nada, sempre com aquele olhar complacente que também significava
nada. Você poderia estar resfriado, com dor peito, câncer ou amputado uma perna
que o sorriso e o olhar dela ainda assim seriam o mesmo.
_Tá ouvindo o quê? _ Indagou ela reparando o fone em meu ouvido.
_O novo álbum Suede – Respondi olhando para os pombos, observando que o
avião já não fazia parte da minha visão.
_The London Suede – Ela respondeu.
Olhei rapidamente para sua direção e outra vez, aquele sorriso que não
significava nada.
Ela continuou:
_Morei na Inglaterra nos anos noventa e o Britpop estava alta, Suede
era minha banda favorita. O Brett Anderson meu deus!!! – Ela olhou em minha
direção com aquele olhar que não significava nada e, complementou: _ O Brett
Anderson era tudo.
Não sei bem o motivo porém, comecei a falar seriamente do que ocorrei
na noite passada:
_Doutora o Brett Anderson esteve aqui ontem a noite, e, você sabe
disso, fez todo mundo dançar pelo corredor afora. Desculpe me, mas nunca vi uma
pessoa dançar também como a senhora.
Ela rapidamente chamou enfermeira sorrindo e me encarando, o que não
significava nada. Não havia mais pombos no telhado e nem nuvens brancas no céu.
Sua voz era pastosa e quase inaudível. Disse ela que minha febre estava alta,
altíssima ao ponto de delirar, de ver o que não se enxerga, de ouvir o que não
foi dito.
_Paracetamol na veia – Recomendou para enfermeira que acabara de entrar
no quarto.
Sinto dores em minhas pernas, dores
insuportáveis mesmo imóvel. Tenho um novo vizinho na cama ao lado, só trocaram
os lençóis. Acidente de moto, tão novo o rapaz, não mais que vinte anos. Ouvi
alguém dizer enquanto eu contorcia de dores que, ele estava com uma sonda para
alimentar. Suores frios transitavam pelo
meu corpo inteiro, ouvi alguém dizer que ele perdeu parte do pâncreas. Recoloquei
o fone no ouvido e, não ouvi ninguém dizer mais nada.
Adormeci um longo período e acordei,
só que meus olhos enxergavam apenas escuridão. Nenhuma luz emergia por mais que
forçasse minha visão e no meio dessa treva, ouvi alguém dizer que ele tinha
dores musculares e febre alta, que o batimento cardíaco estava normal, e a
pressão normal que, era uma pena perder um paciente assim, tão de repente.
Pensei comigo na escuridão meu Deus tão novo. Amaldiçoei em pensamentos aquela
cama que ficava do meu lado direito perto da janela. Duas mortes em menos de
vinte quatro horas. Foi quando eu ouvi alguém dizer que o mocinho perto da
janela estava reagindo bem aos medicamentos.
Como assim? O quarto com têm duas camas, o mocinho perto da janela
estava reagindo bem aos medicamentos. Eu não sou mocinho e a minha cama não fica
perto da janela.
Tentei chamar enfermeira com desesperado porém, minha voz não saia, a
escuridão permanecia, não sentia mais dores nas pernas, sentia apenas que meu
corpo flutuava e a música do Suede ainda continuava alta.
Que estranho, quando tinha dezoito anos de idade vislumbrava com a
morte, agora com quarenta três eu não posso estar morto: esposa, filhos, neta, amigos,
truco no boteco, fotografias e a tão sonhada volta do The Smiths...
The Furs & The Feathers é última música do novo álbum do Suede que
foi interrompida bruscamente.
_Desculpe acordar você assim. Mas, é só puxando o fone do seu ouvido
para acordar você.
Meus olhos saíram da escuridão e, eu nunca fiquei tão feliz de
testemunhar aquele sorriso que não significava nada. Era a doutora com cabelos
soltos que esvoaçam com o vento que entrava pelo um pequeno vão da janela
aberta. Ela disse:
_Tenho algumas novidades para
você.
_Diga - Respondi ainda aliviado de tudo ter sido um sonho.
_A primeira coisa é que seus exames deram tudo negativo. Dengue, Leptospirose,
Hepatite A. Enfim...
_E?
- Que não sabemos qual é o vírus ainda.
Criou-se um silencio que o pingo do soro ficou audível. Pensativa,
pausadamente e preocupada com cabelos ela continuou:
_Continuaremos com os remédios para controlar a febre e o soro para
hidratar e, tente alimentar direito. Sei que a refeição aqui não é uma das
melhores mas, com certeza tem tudo o que você precisa.
No entanto, somente quando ela abriu a porta para ir embora que ela
virou se e disse:
Pare o carro, puxe o freio de mão, desligue os faróis mas,
não desligue o rádio. Aliás, aumente no volume máximo essa é a primeira faixa
do álbum Closer do Joy Division chamada Atrocity Exhibition. Você se lembra
dessa música? Com certeza lembra... Pausa antes de começar a segunda música. Eu
poderia acabar com você agora.
Agora saia do carro. Você
se recorda daquela arvore? Um ipê amarelo todo florido em sua frente. Vamos até
lá. Observe que o vento arranca algumas flores do ipê igual a primeira vez que
estivemos aqui. Você se lembra dos diálogos que tivemos? É bem diferente de
hoje. Pois hoje, só eu que falo. Enxugue suas lágrimas, tardias elas não têm
nenhum significado, nem mesmo com os raios do sol elas não brilham... Eu poderia
acabar com você agora.
Isolation (tradução)
Mãe, eu tentei, por favor, acredite em mim,
Estou fazendo o melhor que posso.
Me envergonha as coisas que tenho feito,
Me envergonha a pessoa que sou.
Voltaremos para carro e ouviremos a segunda música Isolation,
depois rumo ao centro da cidade vizinha, desceremos na choperia porém, antes
ouviremos Passover e, eu te peço, não faça nenhum movimento brusco ou tente
fugir, eu não tenho nada perder e, você sabe disso.
Pedirá dois chopes e
brindaremos possuídos de uma felicidade inexistente. Então você tocará em meu
rosto suavemente até tocar os meus cabelos, fará um círculo incompleto em minha
orelha e, passará o dedo trêmulo em meus lábios no entanto, não me beijará com
a certeza que eu... Eu poderia acabar com você.
Retornaremos ao carro, Heart And Soul ouviremos no
estacionamento em silencio, não olhe nem por segundo em minha direção apenas
ouça a melodia e, que sua barba não cresça nenhum centímetro se quer, e seus dedos não tamborile a percussão da música no volante e, sua respiração
continue sincronizada. Que a música penetre em seu ouvido, fazendo te arrepiar
e te leve para aquele lugar onde os olhares curiosos, ávidos e sem direção
enxergam um mundo colorido de ilusão, mascarando assim o inferno de suplicas e
lamentações.
Instintos que ainda podem nos trair,
uma jornada que leva até o sol,
Desalmado e inclinado à destruição,
Um conflito entre o certo e o errado.
Assuma você o meu lugar no confronto final,
Eu observarei com um olhar cheio de pena,
Humildemente invocarei o perdão,
Um pedido muito além de você e de mim...
Eu estive numa clínica, eu estive com olhos pregados em uma
vidraça durante a chuva, eu tive medo de ir embora porem, ficar estava me
matando. Das alternativas a fumaça do meu cigarro apontou a direção da fuga,
planejei durante semanas fumando cigarros da mesma marca, sentado no mesmo
lugar. Fugi para onde a fumaça apontava a direção. Fugi de mim mesma,
desesperada, alucinada, ouvindo Twenty Four Hours. Sob um céu sem estrelas, sem
lua, encoberto por densas nuvens escuras, relâmpagos, trovoes e granizos. Então
eu parei, respirei debaixo de uma gigantesca arvore, acendi outro cigarro da
mesma marca esperando que fumaça me guiasse, porém um raio violento me fez
jogar o cigarro e rolei ribanceira abaixo. A fumaça dissipou e outra vez eu
fiquei perdida. Eu não quero que você se comova com isso pois, eu poderia
acabar com você agora.
Acelere, rápido, acelere quero novamente sentir o vento, o
perigo, a música, o movimento, quero que o meu pensamento balance, quero que
meus olhos não se percam no risco continuo dessa cerca de arame farpado ao
redor, acelere até que minhas lembranças me façam sangrar novamente, me traga o
ritual dos inválidos e que surja Rose com seus dentes podres e unhas sujas e me abrace
fortemente e diga-me “Desta vida a única certeza que temos é a morte”. E, Rose morreu no
dia seguinte estuprada e com a cabeça aberta por uma barra de ferro.
Agora pare, freia bruscamente já estamos na última música "Decades", a
hora que você tem descer do carro, a hora que se reza para um Deus que a sua fé
sempre renegou, não olhe para trás não quero que minhas lágrimas encontrem com
as suas, lágrimas que seguem o mesmo caminho no entanto, de sentimentos opostos.
Quero que saiba que você foi meu único amor, vivi intensamente tudo isso, meus
melhores dias, minha alegria fora de controle, meu jardim florido e noites de
estrelas. Saiba, eu morri quando fui traída, nada mais disso me importa, eu não
me importo mais se alegria foi embora e as flores estão mortas. Saiba você que
Rose com seus dentes podres e suas unhas sujas tinha razão... Você também morre no
final.
Cansados por dentro, agora nossos corações perdidos para sempre
Não podemos nos recompor do medo ou da ânsia da perseguição
Estes rituais nos mostraram a porta para nossas caminhadas sem rumo