Lembro-me que você disse sobre o buraco negro, de suas palavras multiplicadas, das suas pupilas dilatadas, do seu riso que fugiu dos seus lábios antes do cumprimento da frase, você já estava louco, delirando, confundido Freud com Darwin. Pisei fundo no freio quando um cachorro apareceu do nada no meio da Rodovia e, você gritou, como nos velhos tempos que você gritava com o medo da chuva.
O cheiro dos pneus queimados nos fez tossir muito, somos
muito parecido admito. Eu sorri olhando para o retrovisor testemunhando o cachorro
ileso. Acelerei novamente observando seu rosto tão contraditório ao meu riso. Dormiu ainda amuado no banco traseiro do carro, talvez nem tenha percebido a lua e as milhares de estrelas
do céu. Talvez nem notou quando parei o carro no meio do nada, abri a porta e
sai, talvez nem ouviu o meu choro, a minha reza e o meu desespero.
E, justamente nesse desespero sentado na guia sob milhares
de estrelas, sob lua. Pensamentos, centenas deles apossaram de mim, conduziram
-me há vinte um anos atrás. Eu estava assustado com vinte dois de idade, trêmulo
diante do maior milagre da vida, a vida. Não me lembro se sorri ou se chorei
mas, eu me lembro de uma leveza tão grande em meu corpo, porventura se quisesse
voar pelo hospital feito um pássaro juro que eu conseguiria, tamanha era a
leveza e a felicidade que eu sentia.
Voltei para o carro, enxuguei minhas lágrimas, liguei o som,
o último álbum do David Bowie -
Blackstar. Aumentei o volume e ouvi a voz dele.
_Abaixe o som Pai.
Não abaixei aliás, aumentei no volume máximo.
Ele acendeu o
cigarro. Pedi para ele abaixar o vidro.
Quando se aprende a fumar??? Eu sempre fui um péssimo fumante
mas, admirava os profissionais, aqueles que engoliam a fumaça e conversava com
você pra depois soltá-la, seduzia me aqueles que faziam desenhos com a fumaça.
Fui um péssimo fumante.
Ele sabe fazer desenhos com a fumaça, eu observo enquanto dirijo: corações, bolinhas, triângulos. Isso, já não importa mais, odeio bolinhas, corações, triângulos, fumaças, eu odeio cigarros. Ele odeia David Bowie.
Ele sabe fazer desenhos com a fumaça, eu observo enquanto dirijo: corações, bolinhas, triângulos. Isso, já não importa mais, odeio bolinhas, corações, triângulos, fumaças, eu odeio cigarros. Ele odeia David Bowie.
_Nossa Pai que som horrível.
Engulo em seco, David Bowie horrível pois, eu sei no fundo do
meu ser que, se meu filho acha David Bowie ruim, a culpa é minha, não fui um
bom pai. Durante os primeiros anos o meu
colo era o seu preferido, torcíamos para o mesmo time, cantávamos juntos o
clássico “Heroes” do próprio Bowie. Tudo indicava que ser pai não tinha segredo
até a primeira reclamação na escola.
_Seu filho não está obedecendo os professores, tem um comportamento antissocial e, não costuma aceitar as regras da escola.
_Seu filho não está obedecendo os professores, tem um comportamento antissocial e, não costuma aceitar as regras da escola.
No início eu achei que a diretora estava equivocada,
acreditava cegamente que ela tinha confundido o meu filho com outro aluno. Meu
filho era um anjo, não saia de casa sem a minha permissão e quando saia sempre ligava.
_Pai, estou aqui na Praça do centro as 22:00 horas estarei
em casa.
Ele sempre cumpria os horários.
Divorcie-me alguns anos depois deste acontecimento, meu
relacionamento com minha esposa pioraram com a descoberta que meu filho estava
usando drogas. Eu achava que podia intervir na conduta dele, as vezes usando a
violência verbal ou física. Minha esposa era oposta, aliou-se a ele, tinha
opinião diferente e, que com sua maneira poderia mudar o jogo. Fiquei sem esposa
e sem filho.
Blackstar o novo álbum do David Bowie comprei semana passada
com mais de um ano de atraso, já conhecia todas as músicas mas, faltava o álbum
físico, estou feliz com aquisição porém, devo confessar que a minha felicidade
nunca mais foi mesma e, as vezes chego duvidar que ela realmente existe. Porém,
o desconforto dessas visitas inesperadas, vagarosamente começa nutrir em lampejo
dessa felicidade. No inicio eu achava que essas visitas era apenas para ele obter dinheiro para comprar drogas, mesmo com tanta discordância, mesmo com tanta ironia de ambos
os lados, ressentimentos, culpas e silêncios prolongados, Enfim...
Antes de descer do carro ele faz uma pergunta perturbadora:
_Pai, você ainda gosta da mãe?
Demorei um tempo pensando, todos os conflitos desgastantes,
agressões, palavras ofensivas. Ela quebrou meus vinis do David Bowie, ela se
casou novamente, tem um outro filho, eu apenas envelheci... Quase que algumas
lágrimas fugiram dos meus olhos.
_Um pouquinho – Respondi.
Então ele saiu do carro, ficou olhando pra mim pensativo e
disse.
_ Sobre o David Bowie, Pai. Eu gosto um pouquinho dele
também.
Esperei ele entrar, sua mãe esperava na varanda... Acelerei
o carro, todo feliz “Eu gosto um pouquinho dele também”.