Ela sentava sempre do meu lado mas preferia olhar o céu de outono naqueles fins de tarde, eu via o reflexo de fogo em seu olhar, seus cabelos castanhos claros também reluziam a mesma luz porém, não havia nenhum sorriso, nenhuma palavra e o silencio prolongava-se. Não havia mais amor, o que havia era o amanhecer, o entardecer e o anoitecer. Não havia mais entusiasmo o que havia era o café, o almoço e a janta. O sexo tornou-se cada vez mais rápido, mais violento e mais gritado.
Quando o sol se escondia atrás da montanha ela se levantava como sempre fazia todos os dias. Aliás, a única coisa que nos aproximava nos últimos meses
era o pôr do sol do outono, nos dias nublados ficávamos sentados em frente da
televisão. Não tínhamos diálogos e nem filhos, focamos em nossa carreira, ela
se deu melhor, ganhava o dobro do que eu.
Devo confessar antes de mais nada que quem traiu fui eu, e,
foram várias vezes que cheguei em pensar em separação. No entanto, eu nunca
tive coragem em assumir a outra relação. Ela também era casada e curtia Joy
Division, o sexo não era rápido, nem violento e ela, apenas sussurrava em meus
ouvidos. Não gostava do pôr do sol, detestava outono e as folhas que caiam das arvores.
Quem me apresentou a ela?
Foi a minha própria esposa:
_Está é minha amiga Malú que, trabalha comigo, aquela que te falei que gosta do
Joy Division.
Até ai tudo bem, conheço algumas mulheres com idades de
25 anos que gosta do Joy Division, The Cure, The Smiths... No entanto o que chamou a minha atenção era sua camiseta do Boogarins – Manual. Álbum lançado em
2015.
Minha esposa continuou falando porém, eu não estava mais
ali, viajando na camiseta que era a reprodução da capa do Álbum, com rabiscos
coloridas tentando esconder uma tristeza gigantescas nos traços escuros, com
lápis forçado de uma obra que começa com “Truques”.
Ela sorri, seus mamilos pontudos acompanham o
ritmo fazendo dos rabiscos de sua camiseta ganharem movimentos, então eu vejo
um arco íris numa terra inóspita.
Acha que eu estou
viajando??? Então ouça:
Nos encontramos outra vez no acaso no bar do Queiroz, na
grande avenida iluminada, apinhada de jovens correndo com pneus de caminhão nos
ombros ou troncos pesadíssimos de arvores, garotas terríveis com musculaturas
do Sylvester Stallone, rindo como se o riso fossem rasgar seus rostos banhados
de suores.
_Oi – Ela me cumprimentou, estava com a mesma camiseta da
semana passada, numa rápida verificada no local descobri que tínhamos amigos em comum,
a música que rolava no bar do Queiroz era "Tempo" do Boogarins, tinha certeza
absoluta que tinha sido ela a culpada disso. Talvez respondi o seu oi com um
balançar de cabeça. Peguei uma cerveja e fui para mesa que ficava na calçada. A
letra da música ganhou um significado gigantesco com aquelas musculosas
correndo com seus troncos de arvores no ombro:
Vou me libertar
Do tempo dos homens
Só vou te encontrar
Enquanto eles dormem
Não vou me importar
Com o tanto que podem
Pois quero afrouxar
A coleira dos homens
Esqueça das horas
Pois nada demora
Ame e deixe os outros
Pois bando de bicho
solto
É bem melhor
_Oi, Eu falei com você lá dentro e, você não me respondeu.
Eu sou a Malú, amiga de sua esposa, a gente se viu na semana passada... Não se
lembra?
_Oi, tudo bem? Respondi timidamente.
_Oi, tudo bem? Respondi timidamente.
Malu falava mais que a boca, sabia de tudo um pouco, e,
conhecia todo mundo.
Até mesmo as meninas musculosas com pneus de caminhão nas
costas.
_Cuidado com
esse pneu. Linda!!!
_Malu passa amanha em casa, tenho ótimas novidades para você. Disse a menina com o corpo igual do Sylvester Stallone.
_Malu passa amanha em casa, tenho ótimas novidades para você. Disse a menina com o corpo igual do Sylvester Stallone.
Ficamos horas conversando sobre filmes, músicas e livros que,
eu esqueci do horário... Ela falou que seu marido era violento,que ele trabalhava em
trecho, que ficava quinze ou até vinte dias ausente de casa, andava sempre
armado e nervoso. Inúmeras vezes ela presenciou brigas dele no transito, sempre
apontando o seu revolver na direção de qualquer um. Achava-se acima da lei e,
quando voltava para casa queria fazer sexo com extrema violência, só que ele
sofria de ejaculação precoce, um fraco sexualmente, coitado. E isto deixava-o
muito frustrado e violento. Ela disse também que fora agredida por ele várias vezes por sua frustração
sexual com socos e pontapés. Que ele acordava no meio da noite
banhado de suor e assustado, que pegava seu revolver Taurus cinco tiros, duas
polegadas, calibre 38 e disparava contra a lua.
No bar do Queiros agora tocava “Mario Andrade / Selvagem” e,
ela cantarolou com a voz triste e ao mesmo quase vazia:
Há dias que eu sinto
meu corpo frio e oco
Deixo passar
Eu me esqueço o tempo
todo e pouco a
Pouco eu sinto outro
em meu lugar
Voltei para casa, era noite de outono com seu vento frio
arrastando consigo as folhas das arvores secas e sem vidas, as luzes de mercúrio dos
postes conseguiam dar um tom mais melancólico aquela cena, não havia transeuntes
e nem carros. O que havia era dezenas de
gatos em cima dos muros, nos telhados e nas lixeiras. Gatos Persas, Siameses,
Angorás e outros sem raças definidas. Apoiei na vitrine de uma loja. Estava
embriagado, enxergava tudo desfocado e ouvia uma música que repetia dentro de
minha cabeça.
Percorrer
Distorcer um sonho
Vou viver por viver
Sem dono...
Foi justamente nesse dia que os meus juramentos foram embora,
em forma de um vomito interminável, pensei que ia morrer na calçada cercado por
angorás, siameses e persas. Eu vi a lua e, tive vontade de atirar em sua
direção também. Eu vi algumas estrelas, luzes de mercúrio e mais gatos siameses. Ouvi
o apito do guarda noturno, o som do vento nos fios elétricos, das folhas secas
das arvores arrastando-se no asfalto.
Consegui por alguns instantes equilibrar-me num portão de grade, perturbando o
sono de um Pastor alemão furioso. Em sequencias de luzes acesas, do quarto, da
sala e da varanda. Um grito forte irrompe o latido do pastor alemão, oriundo de
uma porta semiaberta:
_Vai embora seu bêbado, Filho da Puta.
Fui, escorando o muro de concreto, tateando palmo a palmo,
vertigens alucinógenas, cores e rostos a cada piscar de olhos, sorrisos proveniente da escuridão, a loucura é colorida feito as pinceladas do vaso de girassóis
de Vicent ou do álbum Manual do Boogarins.
Alguns meses depois...
...Vou perder você agora porque depois eu não suportaria,
tomarei um café frio e amargo sozinho enquanto você dorme, ficarei a noite
inteira acordado e com a janela da sala aberta, alimentarei na madrugada as
mariposas com leite integral e, quando o sol aparecer você ainda estará
dormindo, exausta do trabalho. Cortarei todas margaridas do jardim que eu
plantei antes de partir pois, eu sei que as lembranças elas nos fazem emagrecer
e adoecer. As lembranças são febris, tenha paciência que está próximo do final
do outono e o inverno já não é tão rigoroso como antes.