quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Pearl Jam - Yield


Que seja a melhor amiga de coque chinês, que tranque a porta e abra janela, que venha com filtros de contraste no rosto, que tenha um sorriso imenso que esconda a tristeza, que deixe as lagrimas caírem no chão, que sua boca pronuncie sinônimos, que tenha um cachorro do porte pequeno, que aponte o pôr do sol e dance no meio da chuva.


Estou me apaixonando outra vez, mergulhando no rio sem saber a profundidade, acreditando no fator sorte, a sorte que sempre tem me ausentado nos últimos anos, esperando que a esperança nunca morra, criando expectativas em arvores com raízes apodrecidas, que floresça e dê frutos mas, tenho que correr agora pois, o ônibus já vai passar, dormir em rodoviárias são experiências horríveis que, torço para que nunca mais se repitam.

Ela ri da minha situação precária, da minha timidez visível, do jeito que eu olho para o vazio. No entanto, ama minha coleção de vinil do Pearl Jam, gosta quando eu canto In Hiding ainda que desafinado, diz que gosta da minha companhia mesmo quando está com sono.


Então, para desorientar-me de vez, ela desfaz o coque chinês, deixando seus cabelos lindos, compridos caírem num balanço teatral, espalhando um doce perfume provocando em mim, dezenas de espirros embaraçosos.

_Desculpe, eu, eu sou alérgico.

E ela ri, ri muito, até perder o folego e, eu perder o ônibus.
Na rodoviária esperando o primeiro ônibus do dia, morrendo de medo, encolhido no banco observo um sujeito aproximando-se com um embrulho na mão:
_Hei amigo (minhas pernas tremem), Você não quer comprar este panetone da Bauducco por R$ 3,80... Acabou a gasolina do meu carro, o litro custa R$ 3,80 e, eu chego na casa da minha tia.


No fundo eu sabia que aquela história não tinha sentido algum, que dinheiro era para comprar droga, de qualquer modo não hesitei, arranquei uma cédula de dez reais da carteira e entreguei.


O ônibus chegou 5 horas da manhã...
E dentro do ônibus,sentado e com a cabeça encostada no vidro eu via centenas de luzes dos postes como se fosse um risco continuo, cochilei e abri os olhos. Eu via a garota de coque chinês em todas as esquinas, em todos pontos que o ônibus parava. Não estava doente, era apenas uma tosse que não me abandonava, uma alergia, uma coriza e dezenas de espirros.



Hoje faz um mês exato que não a vejo, um mês exato que eu ouço diariamente Yield, o álbum favorito dela do Pearl jam. Eu sei, ela era diferente da maioria das garotas que prefeririam o álbum Ten. Ela não, sua música predileta é Given To Fly.



Tive vontade ligar pra ela e me declarar porém, o medo sufocou toda minha coragem e, sentado em frente do portão da minha casa eu fiz as melhores poesias, com violão faltando uma corda, eu cantei dezenas de vezes In Hiding... Sei que tudo é incerto, tudo em volta é complicado, pássaros perdem suas vidas chocando-se nesses prédios modernos espelhados, o resfriado tornando-se mortais e incuráveis a cada ano que se passa... Sinto que talvez eu nunca mais a veja, cada despedida eu tenho essa sensação, aconteceu isto com minha fé quando voltava para casa num Domingo a tarde, uma criança de quatro anos idade soltou-se da mão do Pai e entrou na frente de um ônibus, minha fé foi embora nesse dia e, nunca mais voltou.



Então, eu penso que o destino fará a gentileza de encontrá-la pelas as ruas da cidade, talvez com marido e filhos, que ela não me reconhecerá iguais aos pássaros que não identificam os prédios modernos espelhados mas, eu reconhecerei pois sempre tive esse lado visual como um ponto forte e muito bem desenvolvido, mesmo que não esteja usando mais o coque chinês, com os cabelos curtos e com uns quilinhos a mais, devota de algum santo, catequista de alguma igreja... E eu, talvez calvo, cabelos grisalhos, sentando no banco da praça central da cidade, desquitado, aposentado e sem religião, espirarei com o perfume do seus cabelos quando passar por mim no entanto, não me reconhecerá.



Somente quando ela chegar em sua casa e o seu marido quiser queimar toda suas bugigangas, e, seus olhos depararem com o álbum Yield, paralisada por alguns minutos ela ficará, talvez se lembrará dos espirros e correrá para praça novamente mas, eu já estarei distante, ouvindo In Hiding.


Sei que tudo é incerto, tudo em volta é complicado, pássaros perdem suas vidas chocando-se nesses prédios modernos espelhados, o resfriado tornando-se mortais e incuráveis a cada ano que se passa...


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