quarta-feira, 2 de novembro de 2016

E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas

E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas

Coisas belas ditas pelo velho pároco, ao seu lado um jovem aspirante a padre dotado de um olhar misterioso, coisas da missa matutina do domingo na igreja que ficava no final das vielas, contrastava com os pecados diários que eu cometia, nem a benção do padre ou Pai Nosso valia o meu dia, nem mesmo o sol incrivelmente posicionado no meio do céu me tirava do meu esconderijo do meio do matagal. Debaixo das arvores que possuíam espinhos pontiagudos, eu e meu amigo Linari criavam ali personagens fortes e maldosos, verdadeiros super-heróis que não sentiam amor e nem piedade. Somente quando eu ouvia os gritos de mamãe me chamando o medo desvestia-me do torpor, voltar para casa e encontrar papai bêbado resmungando palavras de ordem e palavrão era um grande saco. Papai não sentia amor... Eu não sentia amor.

 No começo de uma noite fria e tenebrosa infestadas de rajadas de vento, debaixo da arvore de espinhos pontiagudos, rodeados por dezenas de vaga-lumes, no céu de algumas estrelas reluzentes que, apareciam e desapareciam entre as nuvens escuras de uma tempestade anunciada. Lembro-me do grito de mamãe diferente como se fosse trovão rasgando aquele começo de noite, não era palavras, era uivo de dor feito um animal que sente frio e fome. Nem me despedi de Linari, senti aquele grito penetrando meus ouvidos como se fosse um inseto mastigando vorazmente meus tímpanos, corri desgraçadamente derrubando todo o matagal no peito e, ao aproximar da velha casa sem reboco, eu vejo minha mãe sentada no chão, com as mãos colada no rosto chorando compulsivamente, meu pai que não sentia amor estava estirado no chão sem vida.
Foi quando um estranho que saiu não sei de onde, encostou uma arma pro meu crânio e eu, nada pude fazer a não ser me ver balbuciando febrilmente, implorando:
"Eu não estou pronto pra morrer"


Ainda persiste uma dúvida que talvez nunca vá esclarecer. Ainda persiste uma dúvida que eu não me canso de remoer, os dias subsequentes foram os mais cruéis de minha vida, a lamuria tem cor cinza e os dias impares são os piores.  A cerca de arame farpado e a falsa liberdade diante dos meus olhos murchos pela oprimida vergonha da veste e da fome.
No fim da ladeira, entre vielas tortuosas, há uma vila de casinhas silenciosas. Numa manhã fria, eu saí de uma delas passos lentos e silenciosos, sem dizer adeus e nem olhar para trás. Porém, nenhum dia se quer a vila saiu dos meus pensamentos... Em meus sonhos eu caminho por todas as vielas, conheço todos os cachorros que perambulam pelas as ruas, conheço todas as casas no entanto, nos meus sonhos eu sou um desconhecido, os cachorros avançam na minha direção e a minha mãe não me reconhece, sempre na janela com olhar triste e ao mesmo tempo vago. Sempre acordo assustados todas as vezes e, imagino aquelas vielas tortuosas como se eu nunca tivesse me ausentado dali.


Eu desconheço exemplo mais eficaz do que uma criação inadequada é capaz e, os dias cinzas e chuvosos sempre me entristece bem mais que deveria, fugas de lagrimas e a incontrolável tremedeira que nenhum agasalho consegue me aquecer. Na rua as pessoas vem e vão, hoje eu tenho essa convicção, eu poderia voltar agora mesmo no meio dessa chuva, no meio da noite entre os relâmpagos e o barulho do trovão mas, a coragem que eu tive para partir eu não tenho para voltar, mesmo que isso cause ulceras gigantes, angustias e tonturas, insisto em ficar aqui. Meu orgulho está me matando... E você se sente numa cela escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com suas próprias unhas.




Mas, como dar amor se nunca recebeu, balbuciar palavras dóceis com os lábios ressecados e lembrar do amor escondido num lugar onde ruído se abafe... Eu não estou pronto para morrer.



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