sábado, 10 de novembro de 2012

Arnaldo Baptista - Loki?


As araras azuis estão voltando... Eu te avisei que elas voltariam um dia, só que estão mais vorazes e sanguinárias. Eu me escondo perto do grande Rio amarelo e ouço o refluxo dos peixes arredondados que nadam contra a correnteza... Eu te avisei que eles nadariam um dia.
Inexatos dias, inexatas horas, de minutos e segundos sem ponteiros. É, eu me lembro das alegrias sem motivos, da alegria de intermináveis risos, da alegria incolor e sem tempero, mas, riamos até perder o fôlego das guerras de travesseiros e das piadas sem graça.

Você faria isso de novo Ana?

Casada e sem chama, com olhos sem brilhos, estressadas com filhos; sem maquiagem e sem brilho, com a libido abaixo da média, não faz mais amor se esfrega, sangra e se fere. Não grita e nem geme com medo de acordar os filhos gêmeos, se limpa com lençol, abraça o travesseiro e dorme.

Sonha acordada com o Lúcifer assusta-se, vomita o mês de janeiro, fevereiro e março num jato quase que interminável. Repetidas vezes passa o punho da mão direita na boca na esperança que gosto amargo vá embora, mas não vai.

Acorda, faz café com mesma cara que fez sexo. Nada mais anima nem sua coleção de saltos altos, batons e esmaltes. Saudade ácida que queima, melancolia que atrofia, isolamento que enferruja.
 Calma Ana. As araras azuis estão voltando.

Em minhas mãos a capa do vinil com sua dedicatória “Feliz Aniversário... Rober”. Confesso que em 1990 nunca tinha ouvido falar desse Álbum “Loki? Arnaldo Baptista, porém coloquei na vitrola e fumamos unzinho que você mesmo enrolou. Você era mil anos luz na minha frente, doida com vasta cabeleira e um sorriso espontâneo. Fiódor Mikhailovick Dostoiévsk e Friedrich Nietzche eram obrigatórios em sua leitura e, doidona você declamava:
_É mais fácil enfrentar uma má reputação do que uma má consciência... “Assim falava Zaratustra”
Riamos desprovidos de culpa, efeito da erva que você trazia e enrolava. Engraçado... Até enrolando baseado eu via luz em você.

_Rober...
...Então você cantarolava:

_O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor?
O que é isso, meu amor?
Será que vou virar bolor?


Quando você ouve esse álbum sóbrio como estou ouvindo agora não é mesma coisa quando você o ouve noiado. Na verdade Arnaldo Baptista deveria estar muito noiado quando gravou este álbum.
_Rober...



Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
Sou malandro velho
Não tenho nada com isso
A gente andou
A gente queimou
Muita coisa por aí
Ficamos até mesmo todos juntos
Reunidos numa pessoa só
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
Eu sou velho mas gosto de viajar por aí
Cilibrina pra cá
Cilibrina pra lá
Eu sou velho, mas gosto de viajar...
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
So malandro velho
Não se mete no enguiço

Ana conseguia combinar a lucidez com a loucura como se fosse uma combinação de roupa, no entanto aquela felicidade exuberante não combinava com seus olhos vazios.

_Rober minha arara azul foi embora
_Como assim?
_Assim... Bateu asas e foi embora. E, é assim com todo mundo, um dia bate asas e vão embora.

Numa outra ocasião...

...Estávamos sentados na escada de viaduto e Ana cantarolando como sempre.

_Rober... Cê tá vendo aquela menininha de vestido azul que está vindo ali.
_Hum.
_Ela num é gracinha?
_Bonitinha.
_O nome dela é Cristina, ela é minha vizinha. Ela criança tão educada Rober.
_Hum.

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