As araras azuis
estão voltando... Eu te avisei que elas voltariam um dia, só que estão mais vorazes e
sanguinárias. Eu me escondo perto do grande Rio amarelo e ouço o refluxo dos
peixes arredondados que nadam contra a correnteza... Eu te avisei que eles
nadariam um dia.
Inexatos dias,
inexatas horas, de minutos e segundos sem ponteiros. É, eu me lembro das
alegrias sem motivos, da alegria de intermináveis risos, da alegria incolor e
sem tempero, mas, riamos até perder o fôlego das guerras de travesseiros e das
piadas sem graça.
Você faria isso de novo
Ana?
Casada e sem
chama, com olhos sem brilhos, estressadas com filhos; sem maquiagem e sem
brilho, com a libido abaixo da média, não faz mais amor se esfrega, sangra e se
fere. Não grita e nem geme com medo de acordar os filhos gêmeos, se limpa com lençol,
abraça o travesseiro e dorme.
Sonha acordada com o
Lúcifer assusta-se, vomita o mês de janeiro, fevereiro e março num jato
quase que interminável. Repetidas vezes passa o punho da mão direita na boca na
esperança que gosto amargo vá embora, mas não vai.
Acorda, faz café
com mesma cara que fez sexo. Nada mais anima nem sua coleção de saltos altos,
batons e esmaltes. Saudade ácida que queima, melancolia que atrofia, isolamento
que enferruja.
Em minhas mãos a
capa do vinil com sua dedicatória “Feliz Aniversário... Rober”. Confesso que em
1990 nunca tinha ouvido falar desse Álbum “Loki?” Arnaldo Baptista, porém
coloquei na vitrola e fumamos unzinho que você mesmo enrolou. Você era mil anos luz
na minha frente, doida com vasta cabeleira e um sorriso espontâneo. Fiódor
Mikhailovick Dostoiévsk e Friedrich Nietzche eram obrigatórios em sua
leitura e, doidona você declamava:
_É mais fácil enfrentar uma má reputação do que
uma má consciência... “Assim falava Zaratustra”
Riamos desprovidos de culpa, efeito da erva que
você trazia e enrolava. Engraçado... Até enrolando baseado eu via luz em você.
_Rober...
...Então você cantarolava:
_O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor?
O que é isso, meu amor?
Será que vou virar bolor?
Quando você ouve esse álbum sóbrio como estou
ouvindo agora não é mesma coisa quando você o ouve noiado. Na verdade Arnaldo
Baptista deveria estar muito noiado quando gravou este álbum.
_Rober...
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
Sou malandro velho
Não tenho nada com isso
Sou malandro velho
Não tenho nada com isso
A gente andou
A gente queimou
Muita coisa por aí
Ficamos até mesmo todos juntos
Reunidos numa pessoa só
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
Eu sou velho mas gosto de viajar por aí
Cilibrina pra cá
Cilibrina pra lá
Eu sou velho, mas gosto de viajar...
A gente queimou
Muita coisa por aí
Ficamos até mesmo todos juntos
Reunidos numa pessoa só
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
Eu sou velho mas gosto de viajar por aí
Cilibrina pra cá
Cilibrina pra lá
Eu sou velho, mas gosto de viajar...
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
So malandro velho
Não se mete no enguiço
So malandro velho
Não se mete no enguiço
Ana conseguia combinar a lucidez com a loucura
como se fosse uma combinação de roupa, no entanto aquela felicidade exuberante
não combinava com seus olhos vazios.
_Rober minha arara azul foi embora
_Como assim?
_Assim... Bateu asas e foi embora. E, é assim
com todo mundo, um dia bate asas e vão embora.
Numa outra ocasião...
...Estávamos sentados na escada de viaduto e Ana cantarolando como sempre.
...Estávamos sentados na escada de viaduto e Ana cantarolando como sempre.
_Rober... Cê tá vendo aquela menininha de
vestido azul que está vindo ali.
_Hum.
_Ela num é gracinha?
_Bonitinha.
_O nome dela é Cristina, ela é minha vizinha. Ela criança tão educada Rober.
_Hum.
Nenhum comentário:
Postar um comentário