sábado, 10 de outubro de 2015

Radiohead - Ok Computer


Radiohead - OK COMPUTER


_Papai estou  cansado e com dor nas pernas, eu quero colo.
_ Larga disso menino. Você não queria tanto conhecer a praia, agora vai querer colo? Vai brincar com seus irmãos.
_Agora é sério, estou com dor nas pernas...

Então comecei a chorar.

Isso já faz dezoito anos, meu primeiro dia na praia também foi o meu último. Nunca mais voltei para a praia, nunca mais testemunhei a onda do mar e nunca mais voltei a andar. Naquele fatídico dia eu tinha apenas sete anos. Lembro-me que na véspera eu não consegui dormi sonhando com o mar. A alegria instaurada no rosto de Mamãe, do meu pai e dos meus irmãos são indescritíveis e inesquecíveis... Alegria que eu jamais testemunharia novamente nos rostos dessas mesmas pessoas. Eu, o filho caçula e o mais parecido com o Papai, o que valia muitos comentários:

_ “Cara de um focinho do outro”.

_ “Lá vai o xodozinho passear com o Papai”.

 E eu ia mesmo passear ou ouvir seus discos favoritos.



_Está banda é o Radiohead... Guarde este nome Juninho, você um dia ouvirá muito sobre eles e, sabe que quando você ouvir o Radiohead daqui sei lá, dez, quinze, vinte anos, você lembrará do Papai.
Hoje faz exatamente dezoito anos do dia que fomos para praia e eu, estou ouvindo Radiohead e as lembranças me deprime absurdamente.

Papai e mamãe no banco da frente. Papai dirigindo e eu, envolta dos meus irmãos no banco de trás. Papai querendo provar minha esperteza ligou o rádio do carro:
_Ouça amor? Juninho quem está cantando?
Respondi com toda convicção.
_Radiohead.
_Qual o álbum?
_Ok Computer.
_Qual é a Música?
_Airbag... Aumenta ai papai.
Então papai sorriu na direção de mamãe todo satisfeito.


 Recordo-me como se fosse hoje a velocidade que eu sai do carro em direção ao mar, do choque com a onda, do gosto da água salgada, da alegria de meus irmãos, dos guarda-sóis coloridos, do vendedor de camarões, do sorveteiro e do beliscão que Papai recebeu de Mamãe após olhar uma morena de biquíni. Sempre que essas lembranças vêm, traz consigo aleatoriamente músicas do álbum do OK Computer.



No finalzinho da tarde nuvens escuras se formaram no céu e, justamente quando uma enorme cobriu o sol uma fisgada forte em minha perna direita me fez ficar manquitolando, com muito esforço consegui me aproximar do meu Papai:

_Papai estou cansado e com dor nas pernas, quero colo.
_ Larga disso menino. Você não queria tanto conhecer a praia, agora vai querer colo? Vai brincar com seus irmãos.
_Agora é sério, estou com dor nas pernas...

Então comecei a chorar.

Aqueles passos doloridos para aproximar do meu Papai, também foram meus últimos passos. Quando ele me pegou no colo foi também a última que me viu de pé sem ajuda de muletas. O mais próximo que os médicos chegaram é uma doença chamada Síndrome de Guillain-Barré.
Fisioterapia com trilha sonora de Ok Computer, infiltrações, injeções, massagens, dor muita dor e trilha de Ok computer. Cama, muletas, cadeiras de rodas com Ok Computer.



E foi também ouvindo Ok Computer que eu testemunhei a decadência do meu querido Papai que, tantas vezes não conseguiu segurar suas as lagrimas, chorando compulsivamente abraçando-me  e, algumas vezes blasfemando  Deus, discutindo com minha mãe e batendo a porta do quarto com tanta força que o barulho ficava ecoando em minha cabeça a noite inteira e, até hoje continua ecoando.
Papai perdeu o controle da bebida, sua barba cresceu e a esperança da minha cura ele perdeu. Começou a se culpar por minha doença:
_Se a gente não tivesse ido para a praia naquele maldito dia nada disso teria acontecido.


Uma noite Papai entrou no quarto e quebrou o cd Ok Computer, o aparelho do som e as imagens sacras de minha mãe. Meu irmão que tentou segura-lo, levou um soco na boca, meu querido Papai estava irreconhecível, incontrolável, barbudo, bêbado e desempregado.



No dia seguinte minha Mamãe comprou outro aparelho de som e outro cd Ok Computer do Radiohead. O meu Papai sumiu de casa e, somente quase um ano depois chegou a triste notícia do seu falecimento. Morreu sozinho numa cidade vizinha, em baixo de uma ponte com tiro na cabeça. Diz a polícia que foi suicídio.



Hoje eu ganhei uma cadeira de roda motorizada da Prefeitura da minha cidade e as lembranças do meu Papai vieram acompanhada de uma chuva torrencial, entre as nuvens escuras eu vi o desenho do rosto do meu Papai sorrindo porém, um relâmpago quase me cegou e um trovão fez tudo tremer... Voltei pra sala e liguei o som.





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