quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Arctic Monkeys – AM



Cabisbaixo e com os dois cotovelos sobre as grades, mãos na cabeça e os pensamentos livres. Os meus pensamentos sempre foram livres mesmo que o meu corpo estivesse ali encarcerado naquela prisão. Recordo-me o dia que cheguei algemado por dois policiais truculentos. Eu com um riso irônico no rosto, embora assustado por dentro. Deram me alguns socos antes mesmo de tirarem as minhas algemas, jogaram me numa cela com outros oito presos, recolhido e amedrontado eu fiquei ali no canto.

Eu sabia desde criança que essa minha contrariedade com todos e com tudo um dia eu ia me ferrar assim, personalidade moldada por uma infância solitária, uma adolescência rebelde de poucos amigos, brigas na saída da escola apoderada de uma violência incontrolável, admirados pelos professores pelas notas altíssimas e, odiado pelos mesmos pela indisciplina.

Na prisão:
_Matou, roubou ou estuprou? Que você fez pra estar aqui com a gente? Questionado pelos outros presos.
_Desacato e agressão.
_Não importa vai ser a mulherzinha aqui hoje.  
Disse o cara que parecia ser o líder, forte e cheios de tatuagens.
Quando ele tocou em meus ombros aquela personalidade moldada na infância, aquela violência incontrolável na adolescência estava pulsando na minha veia, não só agredi como quase tirei a vida dele. Apanhei dos agentes penitenciários mas, ganhei respeito na prisão.

Alguns dias depois tive acesso a alguns livros, devorei numa leitura diária e sedenta. Não participava das partidas de futebol e raras vezes ia ao banho de sol. Ler, ler, ler e ler. Ocupava o meu tempo sempre lendo. Comecei a inventar estórias de crimes que não havia cometido e de fugas que não tinha feito com tal veracidade que, somente a leitura diária me tornou capaz de fazer. Ganhei mais respeito fortalecendo o bandido que nunca fui:

_Esse foda, roubou vários bancos.
_Já matou a sangue frio.

Isto te dá um status grande no mundo penitenciário mas, no íntimo eu só tinha desacato e agredido num momento de fúria um juiz. Artigo 331,peguei pena máxima dois anos de prisão mas,já estava chegando no quarto ano encarcerado. Não era assassino, não era ladrão, apenas um rebelde enlouquecido com a vida.

O que mais sinto falta aqui na prisão são as minhas músicas prediletas, os meus álbuns favoritos, minha coleção de vinil... Lembro do último álbum que comprei “Arctic Monkeys – AM”, estava muito ansioso pois, a música de trabalho havia me surpreendido. Talvez já tenha lançado outro álbum, eu não sei. Minha vida musical foi interrompida depois que eu vim para cá. O que ouço aqui é o apito do agente penitenciário, alguém cantando alguma coisa do Racionais Mcs e o barulho do vento.





Durante a madrugada a coruja pia dando as minhas lagrimas quentes uma trilha sonora.  
Tantas vezes na madrugada entre os roncos dos outros presidiários, o piar da coruja e no pisca-piscas dos vagalumes no imenso corredor, eu pedi pra Deus que levasse embora minha alma pois, o meu corpo já estava sem vida há muito tempo. Desde da tenra idade foram poucas vezes que eu me senti verdadeiramente feliz, sempre isolado feito um cacto no meio do deserto, cheios de espinhos pra me defender dos camelos sedentos por água. Ainda sinto os dentes afiados dos camelos penetrando em minha pele, meus ossos triturados pela fome insaciável de outro ser, me sentindo um idiota no meio daquela área árida e inóspita.




Dia de visita é um dia de empolgação aqui, famílias, cigarros, encontros amorosos em lugares privados. Nesses dias eu prefiro ficar deitado debaixo do cobertor, a saudade do meu filho, único filho me faz tremer compulsivamente, lembro dos seus olhos em minha direção, do seu sorriso que dizem ser parecido com o meu. Queria tanto que esses olhos, que esse sorriso aparecessem pra mim antes de cometer qualquer loucura mas, esses olhos e sorriso só aparecem depois, de uma explosão de sentimentos embaralhados que, toma posse do meu corpo e do meu raciocínio.



Minha mãe costumava comparecer nas visitas nos primeiros meses, sempre com um sorriso cordial que tentava esconder sua tristeza e decepção com o seu filho caçula, disfarçava também o constrangimento da rigorosa revista para adentrar na prisão. Ela sempre fora contra o meu vício pelo cigarro no entanto, no meio dos produtos de higiene e guloseimas, sempre havia uma carteira de cigarros.



Passados seis meses da minha prisão ela veio falecer talvez, de desgosto. Um ataque cardíaco fulminante foi o que me disseram. Não pude comparecer em seu velório e, minhas visitas e o contanto com minha família encerram aquele dia.
Recuso todos indultos, recuso ver um mundo que aos poucos vai se apagando da minha memória, a avenida, a praça central, o pôr do sol, os mendigos na calçada. Eu apenas ouço como é o mundo lá fora quando chega algum prisioneiro novo disposto a conversar, a falar dos novos carros, do caos da saúde pública, da violência e do desemprego. No mês passado apareceu um aqui que conhecia o meu filho.

_Porra, eu conheço seu filho, tá sempre usando uma camiseta da banda Arctic Monkeys.
_Camiseta do Arctic Monkeys?
_Ele é fanático por essa banda, tem cabelo comprido é muito extrovertido. Reparando bem, o seu jeito de sorrir é muito parecido com o dele.
_Desculpa minha pergunta mas, ele faz parte da criminalidade?
_Nossa!!!! Longe disso. Ele faz parte de uma de uma ONG que, distribui sopas ou marmitex para moradores de rua.

Meu filho...


Dias atrás eu fiquei sabendo que logo estarei livre, mais tardado alguns meses terei minha liberdade decretada. No entanto, isso não me deixa alegre por saber que a verdadeira grade que me aprisionam estão dentro de mim...



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