domingo, 3 de dezembro de 2017

RAKTA - Oculto Pelos Seres 7"


Li numa critica super recomendado e, na vontade desesperada de ouvir coisa nova baixei, transferi para o celular, coloquei na mesa de cabeceira e deitei. A noite era silenciosa, de poucas de estrelas, a lua parecia um sorriso tímido, mantive a janela aberta e apertei o play do celular... A musica "Intro" é bem louca, feito um vendaval ferindo os emaranhados condutores de energia, o meu abajur flerta entre a escuridão e a luz artificial, os meus olhos quase semicerrados. A musica é curta mas, é suficiente pra deixar o meu "eu", fugir de mim...




...Não é a curva do Rio, não são as cores dos pássaros, não é sobre ela deitar-se no meu colo num dia melancólico, não é sobre beijos que as línguas não se tocam, não é fugindo dos olhares alheios, não é fingindo novos sentimentos e esquecendo dos velhos. A ladeira é mais íngreme do que parece quando subimos e não pronunciamos nenhuma palavra, estamos sem fôlegos e com os lábios ressecados, o meu coração está disparado e, você sorri na minha direção sem ligar para os pingos da chuva.
Trago comigo malas carregadas de decepções, de sonhos frustrados e desilusões. Trago um enorme vazio no olhar, a insônia, mudanças repentinas de comportamento. Eu ouço vozes, sorrisos e choro dentro da minha cabeça e, ela nem se importa quando a ameaça da chuva vai embora, não compreende o significado do meu silencio e, quando os pombos nos rodeiam na Praça Central, ela atira pipocas na direção deles, toda feliz e me questiona:
_Tá sério por quê?
Então, eu respondo:
_Já fazem meses que não tem agua no chafariz.
_Nossa, só por isso você está sério?
_Também por isso.


O vendaval continua feito uma trilha sonora, há faíscas de fogos quando os galhos de uma arvore gigantesca entra atrito com emaranhado de fios elétricos. Abruptamente tudo fica escuro, a musica cessa sem nenhum aviso prévio... Num relance eu acordo assustado, o ateísmo vai embora enquanto me benzo, estou suado e febril porém, meus olhos fecham novamente.



Levantamos causando a revoada dos pombos, caminhamos sobre as flores da Sibipiruna feito um grande tapete amarelo, o vento forte bagunçou os cabelos dela. Seguimos em silencio até a Rodoviária, ela me abraçou forte antes de adentrar no ônibus, retirei entre seus cabelos duas pequenas flores amarelas e, guardei no bolso da minha camisa. E, depois que ônibus partiu eu fiquei vagando por ali, como uma ideia fixa de embarcar para alguma cidade demarcada nos painéis eletrônicos porém, acabei indo para um balcão sujo e cheio de moscas, pastel de queijo e caldo de cana. No entanto o pior estava por vir, vozes me chamando pelo meu nome, na minha frente só uma chinesa dona do estabelecimento mexendo no seu celular. Mas, as vozes continuavam:
_Roberval, Roberval, Roberval, ... Aqui, aqui, ...

Sim, eram as moscas que estavam falando comigo, Fiquei incrédulo, belisquei meu braço esquerdo, inventei uma tosse repentina, um ônibus rumo a São Paulo Capital deu partida, um faxineiro varria o chão parou e olhou na minha direção. E, elas continuavam a chamar pelo meu nome, algumas em voos rasantes gritavam meu nome ao passarem perto do meu ouvido. Eu tentava atingi-las com tapas violentos que sempre terminavam no meu próprio rosto.

Foi nesse ínterim que surgiu em meus ouvidos a música "Rodeados pela Beleza", um barulho quase infernal, triturando todo aquele mal estar. todo aquele mundo surreal de moscas falantes, tudo se rebelando diante dos meus olhos. Tapas e mais tapas no meu próprio rosto, cada vez mais forte, desfigurando em meio a alucinações e desespero. Para ou bem ou para o mal aquela musica ficaria ressoando em minha cabeça durante muito tempo ainda.




_Moço, você está passando mal? Indagou a chinesa toda preocupada.
_Não – Respondi confuso, deixei o dinheiro no balcão e sai apressado todo assustado daquele local, dando tapas e mais tapas em meu próprio rosto, atravessei a Avenida, o semáforo estava no sinal vermelho, uma freada brusca do condutor do automóvel evitou o acidente porém, não dezenas de palavrões proliferadas pela sua boca torta envolvida por barba volumosa grisalha.
Encostei no poste sobre uma luz fraca de mercúrio, avistei um homem caminhando na calçada com as mãos dadas com seu filhinho, uma lágrima se formou rapidamente no olho meu esquerdo, o que reforça minha tese que o meu olho esquerdo é mais sentimental que meu olho direito. Não interceptei a lágrima, deixei rolar no meu rosto fazendo um percurso lento nas imperfeiçoes, marcas de acnes da adolescência, cicatrizes, rugas e a barba de dois dias. Alguns segundos depois veio a lágrima do meu olho direito, mais rápida obedecendo a trilha do meu sorriso torto. Vieram mais, dezenas delas feito peças de uma quebra cabeça que a luz de mercúrio fraca e precária, quase que não revelou na noite fria que tão rápido se formou, o rosto do meu filho feito no meio dos respingos de lagrimas no chão.



Então, do nada apareceu um cachorro vira-lata que do poste fez o seu mictório e, levou como uma correnteza amarelada e mal cheirosa todas as peças do meu quebra-cabeça. Eu sei que ninguém vai repor os meus dias ausente, ninguém ocupará o meu lugar, ninguém fará o meu papel, é um vazio que eu conheço bem, são dores quase insuportáveis na junção dos ossos.
Decidi retomar o caminho de volta pra casa porém, alguns passos depois eu ouço novamente o meu nome, olho para trás, era cachorro vira-lata que vinha na minha direção. Comecei a correr e, só depois de dois quarteirões resolvi olhar para trás, eu me assustei, agora era dezenas deles todos gritando pelo meu nome, aumentei a velocidade, o coração parecia que sair pela boca, avistei na frente um restaurante aberto, entrei quase sem folego e, encostei no balcão de costas com os cotovelos apoiado naquela pedra falsa e fria que, era constituído aquele balcão em formato em S. Com olhar assustado na direção da rua, pressupondo que dezenas de cachorros aparecessem ali, gritando pelo meu nome. Não, eles não apareceram.
Devagar os meus músculos foram relaxando, meus olhos deixaram de olhar fixamente para rua então, comecei a observar o ambiente que eu tinha entrado, um lugar cheio de mesas espalhadas pelos quatro cantos e, em cima de cada mesa uma lâmpada fosforescente centralizada, uma espécie de abajur ou coisa similar que, atraia muitos insetos. Meu ouvido também começou a detectar tudo e, um barulho que vinha atrás de mim, do outro lado balcão começou a me perturbar, foi quando realmente eu virei para um balcão. Quase morri de susto, uma grande libélula batendo suas grandes asas me encarava com seus olhos enormes, tinha o corpo de humano, pernas, braços, dedos... Tudo coberto por uma grossa escama preta, asas oriundas das costas e a cabeça vermelha gigantesca de uma libélula, fiquei paralisado por um longo tempo esperando a engrenagem do meu cérebro encaixarem os dentes e, somente quando a engrenagem começou a rodar eu testemunhei o que ao chegar não tinha observado, várias libélulas com o mesmo formato, o que mudava eram as cores das cabeças e das asas, todas sentadas com seus familiares ou amigos, alimentando-se dos insetos atraídos pelas luzes fosforescentes centralizadas da mesa.  

Confesso que foi nesse momento que ouvi a introdução "Atrativos da Mentira", algo me dizia que eu seria o próximo banquete, me lembro da voz desesperada Paula Rebellato apesar de não conseguir decifrar o que me dizia, era tudo perturbador, os olhos enxadrezados das libélulas tinha minha direção e a musica contribuía com o meu medo, eu senti um liquido quente descer por entre minhas pernas e a musica passou a ser o meu maior enfrentamento. Devolvi o meu olhar castanho aos olhares enxadrezados, amedrontados porém, fixos. Por alguns minutos antes que musica terminasse, eu me senti encorajado de verdade.




Tentei sair de fininha mais todas as libélulas levantaram voos das mesas vieram atrás de mim gritando meu nome, como se eu fosse um grande inseto para satisfazer a fome de todos ali, ouvia suas mandíbulas mexerem como se fosse uma grande serra elétrica aproximando do meu rosto, alcancei a saída do estabelecimento e logo percebi centenas cachorros na minha espera, comecei a correr novamente dos cachorros e das libélulas que levantaram voos em minha direção.
Por sorte havia um ônibus preste a sair alguns metros a minha frente, num salto espetacular fui direto para o terceiro degrau, suores transitavam pelo meu rosto, recuperei o fôlego antes que fechasse a porta porém, ao olhar para motorista percebi sua enorme cabeça de cavalo, com o paletó preto e gravata vermelha, crinas enormes, dentes pontiagudos e olhos verdes.

Desesperado saltei espetacularmente de volta a calçada, a trilha sonora agora era "Memoria do Futuro" aturdido com a música e com a perseguição fui em direção da avenida principal, um impacto forte de um automóvel me jogou longe. Moscas, cachorros, libélulas e o motorista com cara de cavalo foi tudo que eu pude testemunhar ao meu redor antes de fechar os meus olhos, ainda assim ouvia o zunido da música do RAKTA.



Zunido insistente e perturbador, a ventania agora num ritmo tribal, apocalipse sendo desvendado, a cavalaria do Exercito do anjo Miguel rumo a batalha contra Dragão. Eu estaria no céu ou no inferno? Uma luz tremula, ziguezagueava diante dos meus olhos, concentrei firmemente naquela luz imaginando ser uma entidade do bem ou do mal porém, alguns segundos depois eu percebi que era do meu celular vibrando, o despertador. Era a hora de trabalhar, comecei a rir sozinho, foi tudo sonho, um sonho muito louco.
Levantei e assustei, tinha libélula sem vida próximo ao abajur. Fui tomar um banho, tinha suado muito durante a noite, apressei em me vestir, já estava me atrasando porém, o meu sonho ainda estava em minha cabeça, tranquei o portão rapidamente e, caminhei para pegar o ônibus da empresa. Devo confessar que algo me incomodava no bolso de minha camisa, fui conferir, era duas pequenas flores amarelas da Subipiruna e, reparei também ao longe próximo onde eu pego o ônibus um aglomerado de cachorros.

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