Bob Dylan - Desire
Esta eu dedico a você gordo,
arrogante e desgraçado
Gosto
do contratempo, da chuva que me empurra para
bares desconhecidos, de pessoas
desconhecidas com guarda-chuvas coloridos, do raio que ilumina o céu escuro,
dos siriris suicidas que levantam voos. Gosto das tardes sem sol ou, das tardes
com o sol interrompido por uma tempestade apocalíptica que, arranca galhos e
telhas, que inunda ruas e derruba pontes.
Entro
no primeiro boteco que encontro, ajeito o fone no ouvido: Bob Dylan – Desire ou
Bob Dylan - Highway 61
Revisited... Sempre persiste minha duvida.
Engraçado só de
pensar que esse cara com a voz esganiçada um dia seria um cantor de rock.
Imagino o pequeno e frágil Dylan:
_Papai quero ser
cantor?
_Cantor Dylan?
_Isso Papai... Quero
ser um grande cantor.
_Dylan, médico não
seria melhor?
_Não Papai quero ser
cantor.
_Talvez advogado,
dentista ou engenheiro?
_Não Papai, eu quero
ser cantor.
_ Dylan, mas sua
voz...
_Tem algum problema
com minha voz Papai?
_Não filho. Não há
problema em sua voz...
Hoje vou ouvir Desire.
Acendo um cigarro e aceno para o desiludido de cabelo grisalho e com grandes olheiras. No arrastar
lento de suas havaianas ele aproxima, não há duvida nenhuma que seu
estabelecimento está falido e o pior, sua vida tá pior ainda. Talvez corno ou
talvez trouxa. Quem saiba um puritano, desdentado e dizimista.
-Uma cerveja...
Só então observo uma
garota com uma micro saia solitária que retribui o meu aceno com um sorriso vazio que, não expressa
sentimento algum, porém é fácil notar que suas pregas ardem e o desconforto de suas pernas cruzadas mostram que prazer também tem seu preço.
Bob Dylan rolando...
_Outra cerveja amigo?
Questiona o corno,
trouxa ou sei lá.
_Outra.
Só então reparo que
no corredor que dá acesso ao banheiro tem um homem gordo e alto. Que me
encara indiscretamente.
Sorrio. Porém o meu
sorriso não é aceito, uma recusa
desconfortável. No entanto estou ouvindo Bob Dylan que me conforta mesmo sabendo
que sua voz não é confortável. Uma mosca tenta dezenas de vezes mergulhar no meu
copo de cerveja.
Mas Dylan eu também
tenho historias. Alias, elas me perseguem o tempo todo, elas se atiram em mim
implorando “Escreva-me, escreva-me”. Afundo minha cabeça entre meus braços
sobre o balcão, de olhos fechados e a respiração profunda.
_Outra amigo?
_Outra, outra,
outra, etcetara de outras.
Em “Romance In
Durango”, eu me levanto.
O homem gordo, o
corredor e o banheiro. Era para ser simples assim se minha visão não triplicassem
tudo e Dylan não ficassem ecoando em meus ouvidos:
No llores, mi querida
Nao chore, minha querida
Dios nos vigila
Deus nos vigia
Soon
the horse will take us to Durango.
Logo o cavalo nos levara a Durango
Agarrame, mi vida
Me abraca, meu amor
Soon
the desert will be gone
O deserto logo
acaba
Soon
you will be dancing the fandango.
Logo você vai estar dançando um fandango
Ziguezagueando e
apoiando no balcão consigo dar os primeiros passos, mais dois passos, fico em
frente do homem gordo. Sorrio porém, o meu sorriso não possui o efeito da
bandeira branca da paz.
Sou agredido
enquanto sorria amistosamente para agressor, socos repetidos e fortes
direcionado sempre em minha cabeça. De repente ouço a loira de minissaia
agarrando o agressor e falando grosso.
_Larga dele seu
frustrado filho da puta. Larga dele seu broxa.
Mesmo levando uma
direita direta no rosto compreendi que a loira era baita de um traveco.
_Fredy – Grita o
velho desdentado.
Fredy era o nome do
traveco que me arrastou para o canto me separando da zona combate, ou melhor,
de massacre. Não sei bem motivo mas, com certeza não foi homofobia que fez desferir
uma dentada tão forte no braço do traveco que quase arranquei pedaços.
Foi então a vez do
traveco a me golpear com chutes socos e até uma voadora. Cai na calçada, a chuva
ainda caia fria diferentemente do sangue quente que escorria do meu nariz.
Apoiando-me no poste
consegui me levantar, pensei no meu filhinho de três anos e comecei a caminhar
no sentido contrario da chuva e, Bob Dylan ainda sussurrava em meu ouvido.
Sara, Sara,
Sara, Sara,
Whatever made you
want to change your mind?
O que foi que fez voce mudar sua mente?
Sara, Sara,
Sara, Sara,
So easy to look
at, so hard to define.
Tão fácil de contemplar, tão dificil de definir.
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