Björk - Vulnicura
“Aconteça o que acontecer jamais entre na Floresta das
arvores gigantescas, é amaldiçoado. “ Foi o conselho do seu avô, curandeiro
daquele povoado da zona rural de Aiuruoca, cidade do Sul de Minas Gerais.
Ele insistiu ainda dizendo que o ponto de ônibus era longe
e, se perdesse só teria ônibus noutro dia. Ainda assim ela disse que iria,
correria um pouco se preciso fosse; seu avô preocupado entregou-lhe um pequeno
revolver em suas mãos. Sei entender tamanha preocupação quis devolver o
revolver porém, a insistência do seu avô foi tanta, que Carolina toda tremula
segurou um revolver pela primeira vez na vida. Guardou com pressa e receio
dentro de sua bolsa.
Não foi apenas o ultimo ônibus que ela perdeu, não se
perde apenas o ultimo ônibus quando está em Aiuruoca. Sentou-se no gramado e
acendeu um cigarro, ela sabia que teria que regressar, só que
com um agravante, já era noite e na zona rural de Aiuruoca e, não havia iluminação nas ruas.
Assustou-se quando testemunhou um vulto escondendo atrás
do tronco de uma Araucária. Lembrou-se das estórias contada pelo seu avô sobre
corpo-seco e lobisomem na noite anterior, um arrepio tomou posse do seu corpo.
Levantou-se, uma lua cheia e alaranjada era sua
companhia. Acendeu outro cigarro e começou a caminhar com impressão que um
vulto lhe seguia.
Não havia sinal para o celular naquele local, e, arquivado
no cartão de memória apenas o novo álbum da Björk – Vulnicura que ela tinha
feito download na semana anterior, quando decidira viajar para o Sul de Minas. Apertou
o play Stonemilker.
Carolina caminhava devagar pois a pressa narraria o seu
medo que não era pouco, sabia que a pressa poderia levar a lugares mais
distante, em contrapartida a tentativa de fuga poderia custar alguns minutos a
menos de sua vida. Caminhava devagar com sensação que o vulto ainda perseguia-a,
o desespero crescia a cada passo. A voz de Björk surgiu alta assustando-a pois,
ela nem havia colocado o fone no ouvido. Apertou o pause e a voz continuou,
oriunda da floresta das árvores gigantescas. Ela ficou confusa emaranhada
na sentimentalidade de Björk, enfiou a mão na bolsa por pura curiosidade e
sentiu o tambor frio do revolver. Contrariando o que disse seu avô na despedida
adentrou a Floresta das árvores gigantescas ouvindo o sussurro de Björk:
Who is open chested
And who has coagulated
Who can share and
Who has shortened the chances
And who has coagulated
Who can share and
Who has shortened the chances
Demorou alguns segundos para acostumar com
escuridão e, quando acostumou notou-se que centenas de corujas brancas
observava-a, enfileiradas nos galhos das arvores e, qualquer movimento que
fizesse era acompanhado pelos olhos atentos das corujas. Ela caminhou pela
braquiária alta até encontrar uma trilha no meio da floresta, milhares de
vaga-lumes contornavam aquela trilha numa subida íngreme. A voz da Björk era
oriunda lá do alto ecoando na floresta toda, Carolina hipnotizada por aquela
sentimentalidade incomum de Björk prosseguiu a passos lentos aquela subida, e nem mesmo um bando de javali apressados fizeram sair da trilha.
Mas, foi no início da música Family que os vaga-lumes começaram a fazer uma coreografia
psicodélica emanada pela voz aflita que clamava:
How will I sing us
out of this Sorrow?
Build a safe bridge
for the child
Out of this danger
Danger!
Por um momento testemunhou as arvores em
movimentos frenéticos e irregulares, as corujas revoaram em círculos até serem
engolidas pela escuridão da noite, foi então que ela começou a beliscar o próprio braço, desconfiada que tudo aquilo fosse um sonho, ao acordar estaria aconchegada
na cama de molas do quarto de hospede da casa do seu avô. Seus braços ficaram roxos
e doloridos e, a cama aconchegante do quarto de hospede certamente estaria toda bagunçada ainda, do jeito que ela deixou algumas horas
atrás.
Deparou-se com um lago de águas turvas onde transparecia
a grande lua alaranjada, hipnotizada por um instante pelo contraste
que seus olhos testemunhavam na água do lago. Porém uma sombra foi formando-se
envolta da lua, e, quanto mais ela forçava seus olhos no lago, um formato
aterrorizante iam ganhando movimento, até que ela sentiu em suas costas um
hálito quente e forte que, chegou a balançar seus cabelos compridos e castanhos.
Sua fuga desesperada durou exatamente seis minutos e dez segundos, foi uma fuga
que teve como fundo a música Mouth Mantra:
...
I have followed a
path
That took
sacrifices
Now I sacrifice
this scar
Can you cut it off?
Exausta e apoiada num tronco de uma arvore retirou o
revolver de dentro de sua bolsa, e, quando aquele enorme monstro talvez oriundo
das estórias que seu avô contava preparou o bote, ela disparou um tiro certeiro
derrubando o monstro que, ficou ali agonizando por horas. Carolina acabou adormecendo encostada naquele tronco. E quando amanheceu o dia acordou assustada e no lugar que estaria o monstro, encontrava-se o corpo do seu avô com sangue coagulado e repleto de moscas
varejeiras. Sem demora e com lagrimas nos olhos ela partiu na direção do ponto
de ônibus, ao adentrar disse ao motorista:
_ Rumo a Resende.
Em algum trecho entre Aiuruoca e Resende ela despachou o
revolver. Na rodoviária de Resende pegou outro ônibus rumo agora para Pindamonhangaba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário