sábado, 3 de junho de 2017

THE SMITHS · Hatful of Hollow



Absorto pelo o absurdo, dias que morrem sem vida, envelhecer no vazio sem expectativa, o céu está cheio de nuvens, desenhos que surgem e desfazem rapidamente mas, hoje a tempestade parece que virá, o vento sopra mais frio, andorinhas voam em círculos, transeuntes apressados. Observo tudo pela janela, não há cachorro no quintal e nem mais gato pela casa, há matos sufocando as flores do jardim, existe uma bola perto do portão e carrinhos abandonados na varanda. O silencio é ainda maior internamente, mesmo que a saudade seja gritante, mesmo que o coração ainda pulsa, que células movam-se pelo meu corpo e os nervos do canto do olho esquerdo mexam-se, um tique herdado do meu Pai.



Diná, a empregada foi embora as dezesseis horas, olhou-me tristemente antes de fechar portão. Aliás, ela chutou a bola com força para bem longe, estava apressada e com medo do temporal, sem guarda-chuva e com um vestido com tecido fino, ficou envergonhada quando uma rajada de vento deixou visível sua calcinha vermelha minúscula. Porém, eu estava tão triste que nem observei algumas estrias do lado direito da sua bunda bem branquela.



Sinto falta do latido do cachorro que tanto me irritava, do miado do gato preguiçoso e folgado, do meu filho pequenino brincando com os carrinhos na varanda. Sinto falta de você, sinto falta da sua voz e do seu perfume, apesar que, a empregada Diná passou usar o mesmo perfume que você usava.

Saiba, que toda felicidade que você me trouxe, você levou embora mas, levou bem mais do que trouxe, levou sonhos, sentimentos, minha geladeira, meu fogão, meu carro e o pior de tudo isso, minha coleção de álbuns do The Smiths. 
Sorte minha que a empregada Diná me presenteou com a mesma coleção do The Smiths e, com mais algumas raridades.



Lá fora cai uma chuva fina e fria. Observo daqui da janela um pardal que tenta se esconder entre as folhas da goiabeira. Em vão, gotículas da chuva escorrem entre suas penas. Meu Deus! Por que será que observo esses pequenos detalhes das coisas? E esses pequenos detalhes me fazem por alguns minutos esquecer de tudo e, eu não queria esquecer.Reluto em acreditar que algum dia você não será mais nada pra mim. Porém, a empregada Diná me disse dias atrás a mesma coisa, olhando fixamente para os meus olhos sem piscar e, acrescentou ainda “Daqui alguns anos vocês serão estranhos para o outro, não haverá cumprimentos, nem olhares, nenhum tipo de sentimento, o passado será enterrado numa terra inóspita, o amor será ceifado, não haverá nenhum tipo de lembrança porém, eu ainda estarei ainda aqui”.



O sorriso sumiu dos meus lábios,ressecados eles viraram rodovias para fumaça do meu cigarro, sem poesia ou relatos. Meus lábios moradias de herpes, feridas e da língua umedecida e esbranquiçada. Os olhos sem brilho, invadido por uma ceratocone avançada, vermelhos e inchados pela insônia, nem parece os mesmos olhos que se encantavam com a leitura de Henry Miller, que emocionava com a paisagem do Rio que corta a cidade, do pôr do sol alaranjado do outono... Meus olhos rios de lagrimas frias, oriundas por sentimentos mortos, da saudade feito ferrugem que corroem o que existiu. 

Recordações que me causam febre e uma alergia que me faz coçar o corpo inteiro até sangrar, com minhas unhas carcomidas pelos dentes obturados. Diná me traz uma toalha úmida para me aliviar da coceira, enxuga minhas lagrimas frias, recita minhas velhas poesias, dança feito Morrissey com jeans rasgado e um buquê de flores nas mãos.



Digo a Diná que meu amor me deixou na hora mais escura da noite, que me deixou o silencio mais perturbador da casa, que me deixou a pior insônia de todas as insônias, me deixou. 
O silencio de Diná é diferente, ele me aquece, é o fogo com lenhas secas e estrepitas... Ela me diz “Você tem que se alimentar e fazer barba” e, eu adormeço rapidamente com o efeito do remédio.



No entanto, depois que Diná foi embora hoje apressada por causa do temporal, eu não tomei o medicamento e decidi sair. Peguei o guarda-chuva, e, aventurei-me pelas ruas da cidade, trovoes faziam parte da trilha sonora, no ponto de ônibus um amontoado de pessoas agasalhadas tentando se protegerem da chuva, logo a frente um cachorro corajoso e esfomeado, pouco se importava, fuçando o lixo em busca de alimento. O vento forte levou consigo o meu guarda-chuva para bem longe, minhas lágrimas quentes misturaram-se com os pingos da chuva fria, acho que estava febril...



Eu não queria esquecer de você nenhum segundo se quer. No entanto, tudo foge do meu controle até o guarda-chuva que o vento não para de soprar e, tudo está sendo rápido demais, até minha respiração, a pulsação, a pressão,a decepção,a ilusão,a solidão e outros “ãos”.

Voltei pra casa todo molhado, já era começo de noite, não existia mais brinquedos espalhados pela varanda, a porta estava destrancada, um guarda-chuva florido aberto próximo ao meu carro, não deslumbrei conheço todos os guarda- da- chuvas de quem partiu. Abri porta vagarosamente e apossei-me de uma faca da cozinha, do quarto vinha o som do The Smiths, larguei faca, desconheço nóia ou ladrão que ouve The Smiths.  
Pensei de novo, não. Sem nenhuma chance, o coração começou a bater mais forte, a fragrância do mesmo perfume oriunda do meu quarto causou uma ereção involuntária. Trêmulo e com o coração a mil toquei o interruptor, assim eu pude testemunhar, o mesmo modelo de calcinha, só que agora a cor era diferente, preta. No entanto as mesmas estrias, a mesma bunda branquela, com as mesmas estrias do lado direito. Eu já estava pronto, ela já estava pronta e o The Smiths era trilha sonora...


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